Iron Maiden e a subliminaridade de Brave New World



Por Ricardo Seelig / Collector's Room

Sou um grande fã do Iron Maiden. Cresci ouvindo suas músicas, tenho todos os seus discos, gosto de pesquisar e ler sobre o grupo, e, passados 27 anos do meu primeiro contato com a banda, ela continua sendo uma parte importante da minha vida. Por isso, resolvi escrever sobre algo que sempre esteve na minha cabeça, e que acho que também faz parte do pensamento de uma parcela considerável de fãs do Maiden.

Mas, para começar a nossa conversa, é preciso voltar um pouco no tempo. Ainda lembro da repercussão negativa dos shows da turnê brasileira do grupo em 1998, que acabaria se tornando a última com Blaze Bayley. O Iron Maiden tocou em algumas cidades brasileiras, e o show no Rio de Janeiro ficou marcado pelo fato de a banda abandonar o palco e não voltar para o bis após o guitarrista Janick Gers ter sido atingido por um objeto. Esse acontecimento foi, na verdade, a gota d'água de uma tour que deixou claro, definitivamente, que Blaze Bayley não era o vocalista adequado para o Iron Maiden. A questão nem era a qualidade ou não da sua voz, mas sim o fato de que o seu timbre, mais grave, não casava com as músicas do Maiden, originalmente concebidas para os tons mais altos de Bruce Dickinson. O controverso álbum The X Factor, lançado em 1995, é a prova disso, com um direcionamento mais sombrio que os anteriores, mas que acabou não sendo mantido no disco seguinte, Virtual XI, lançado em 1998. Pessoalmente, considero Virtual XI o álbum mais fraco de todo o catálogo do Maiden, com composições ruins, refrões repetidos à exaustão e uma sonoridade genérica. Apenas duas de suas canções, “Futureal” e “The Clansman”, são dignas de nota.

Quem ouviu os b-sides dos singles lançados pelo Iron Maiden nesse período, ou algum bootleg gravado na época, percebe sem maior esforço a absoluta incapacidade de Blaze em interpretar as canções da era Dickinson. A versão ao vivo de “The Evil That Men Do” presente no single de “Futureal”, por exemplo, é constrangedora. O mesmo vale para as tentativas de Bayley em cantar sons como “The Trooper” e “Hallowed Be Thy Name”, notórias marcas pessoais de Bruce. Mais tarde, ao sair do Maiden, Blaze Bayley encontraria uma sonoridade adequada à sua voz nos bons discos de sua carreira solo, principalmente na ótima estreia com Silicon Messiah (2000).

A verdade era que, passados já alguns anos com Blaze no Maiden, a sua situação havia ficado insustentável. O público da banda havia caído drasticamente. A crítica não engoliu os álbuns com o novo vocalista, principalmente Virtual XI. E o Iron Maiden, que sempre esteve na linha de frente do heavy metal ditando os caminhos do estilo, passava por uma fase onde beirava a irrelevância. Tudo isso refletiu no clima interno do conjunto. Janick surtou com o objeto lançado contra si no show no Rio de Janeiro e no camarim colocou Steve Harris na parede, dizendo que era ele ou Blaze. O baterista Nicko McBrain também já havia demonstrado a sua insatisfação com a fase vivida pela banda para Steve e Rod Smallwood, empresário do grupo. Até mesmo o calmo e passivo Dave Murray, um dos caras mais gente boa do show business, não escondia de ninguém o seu desgosto com os rumos do conjunto.

Os shows no Brasil foram os últimos da tour de Virtual XI. Após eles, a banda entrou em recesso, curtindo merecidas férias. Foi nessa época que a figura sempre forte do empresário Rod Smalwood entrou em cena. Rod, dono de opiniões sempre diretas e persuasivas – a revista inglesa Classic Rock, ao se referir a Rod, Steve e Bruce, classifica o trio como “o grosseirão, o cabeça-dura e o tagarela” -, chamou Steve Harris para uma reunião e disse, sem meias palavras, que era preciso trazer Bruce Dickinson de volta. Steve, como era de se esperar, respondeu que não, que a relação com Bruce era complicada e que não gostaria de tê-lo de volta no grupo. Mas aí a coisa virou briga de gente grande: de um lado um dos empresários mais respeitados e fortes do show business, famoso por seu aparentemente infinito poder de convencer qualquer pessoa a concordar com suas ideias, e do outro a mente criativa responsável por transformar o Iron Maiden em uma das maiores e mais importantes bandas da história do heavy metal. Após uma longa conversa, Rod provou para Steve que o retorno de Bruce era necessário, e a banda então marcou uma reunião.

Ao mesmo tempo, os rumores sobre um possível retorno de Bruce Dickinson ao grupo só aumentavam. Fóruns e sites por toda a internet alimentavam rumores e mais rumores sobre o assunto, mas ninguém tinha uma posição clara sobre o que estava realmente acontecendo. Essa falação toda chegou até à própria banda solo de Bruce. Roy Z, seu guitarrista, produtor e principal parceiro em álbuns como Accident of Birth (1997) e The Chemical Wedding (1998), chamou Dickinson para um papo e bateu a real: “Bruce, nós gravamos ótimos discos, mas todo mundo sabe que o seu lugar é no Maiden!”. O vocalista não teve outra resposta para Roy a não ser concordar com a sua afirmação.

Após contatos preliminares e sondagens de ambos os lados, Rod Smallwood convocou Steve Harris, Dave Murray, Janick Gers, Nicko McBrain e Bruce Dickinson para uma reunião em sua casa. Todos sentaram na sala de Rod, e a reunião, que era para ser longa, acabou sendo surpreendentemente curta, com Steve pedindo a palavra e dizendo: “Eu não concordo com a volta de Bruce ao Iron Maiden, mas essa é a coisa certa a ser feita”. Todos apertaram as mãos, trocaram abraços e foram comemorar o retorno do vocalista em um pub próximo à mansão de Rod. Lá, embalados por rodadas e mais rodadas de bebibas, tiveram a ideia de chamar de volta também o guitarrista Adrian Smith, que havia saído em 1990 e estava tocando com Bruce em sua banda solo. O mundo ficou sabendo da notícia através de um comunicado oficial dia 11 de fevereiro de 1999, e o resto é história.



E é justamente nesse ponto que eu quero chegar. O agora sexteto saiu em uma turnê mundial batizada Eddie Hunter Tour, onde tocou diversos clássicos de seus anos dourados com a nova formação com três guitarristas e trancou-se em estúdio para compor o tão aguardado álbum de retorno. Brave New World chegou às lojas de todo o mundo no dia 29 de maio de 2000 e atendeu as expectativas tanto dos fãs quanto da crítica com composições fortes e inspiradas, que recolocaram o Iron Maiden automaticamente no lugar de onde nunca deveria ter saído: o Olimpo do heavy metal.

Mas o que me chamou a atenção desde a primeira vez que ouvi o disco é o fato de ele, na minha percepção, conter diversas mensagens - subliminares ou não - espalhadas por suas letras, dando margem à interpretações variadas por parte dos fãs. Vamos a elas:

- a história já começa no título, Brave New World, fazendo uma alusão direta ao “admirável mundo novo” que estava começando para a banda e para os seus fãs com o retorno de Bruce Dickinson e Adrian Smith

- o refrão da primeira faixa, “The Wicker Man”, traz Bruce cantando a frase “your time will come” - sua hora chegará – repetidamente, como que preparando os fãs de todo o mundo para o tão aguardado retorno do grupo

- a emocionante “Blood Brothers”, composta por Steve Harris para o seu pai, pode ser interpretada como uma reafirmação dos laços de sangue que unem a banda e seus fãs, em uma das relações mais fortes e apaixonantes do universo musical, e também os próprios músicos uns aos outros, já que juntos são muito maiores do que separados, como ficou claro durante os anos em que Bruce e Adrian estiveram longe do grupo e, mais recentemente, quando Steve se aventurou em seu primeiro álbum solo, British Lion, com resultados abaixo do esperado pela maioria

- a faixa “The Mercenary”, uma das mais pesadas do álbum, tem um título que pode ser interpretado como uma indireta a Bruce Dickinson, que quando saiu do Maiden deu várias declarações a respeito do grupo e do próprio heavy metal, chegando até mesmo a renegar o estilo, mas que agora estava de volta à banda que o fez famoso em todo o planeta

- a frase “the dream is true” presente em “Dream of Mirrors” exemplifica o que os fãs do grupo sentiram ao saberem da volta de Bruce e Adrian: o sonho havia se tornado realidade

- “The Fallen Angel” pode ser uma alusão ao próprio grupo, que alcançou o topo, caiu ao chão e agora preparava-se para alçar um novo e duradouro vôo, como uma fênix renascida

- “Out of the Silent Planet” pode ser entendida como uma brincadeira com o fato de as plateias da banda terem se reduzido muito durante o período com Blaze, e, com o simples anúncio do retorno de Bruce e Adrian, o grupo começou a lotar arenas novamente em todo o mundo, saindo, assim, do “planeta silencioso” em que se encontrava

- e, finalmente, o encerramento do álbum com a estupenda “The Thin Line Between Love and Hate” - a tênue linha entre o amor e o ódio -, alusão direta à relação de Steve Harris e Bruce Dickinson, os dois pilares do Iron Maiden, donos de personalidades fortes e líderes natos, que se admiram na mesma proporção que se odeiam, e que sabem que são mais fortes juntos do que trilhando caminhos separados.



É claro que todas essas interpretações são baseadas apenas na minha opinião e são extremamente pessoais, mas, como disse antes, desde a primeira vez que ouvi o disco esses detalhes me chamaram a atenção. Alguns podem ser verdadeiros, outros podem ser apenas suposições e viagens de um fã, mas queria compartilhar isso com vocês.

Após Brave New World o Maiden gravou mais três álbuns de estúdio – Dance of Death (2003), A Matter of Life and Death (2006) e The Final Frontier (2010) -, um quarteto de discos ao vivo – Rock in Rio (2002), Death on the Road (2005), Flight 666: The Original Soundtrack (2009) e En Vivo! (2012) -, lançou três coletâneas – Edward the Great (2002), Somewhere Back in Time – The Best of 1980-1989 (2008) e From Fear to Eternity – The Best of 1990-2010 (2011) – e seis DVDs – Rock in Rio (2002), Visions of the Beast: The Complete Video History (2003), The History of Iron Maiden, Part 1: The Early Days (2004), Death on the Road (2005), Flight 666: The Film (2009) e En Vivo! (2012) -, solidificando a sua posição como uma das maiores bandas de heavy metal do mundo e gozando uma popularidade atual que rivaliza com a alcançada durante a década de oitenta – basta ver os números do último álbum do grupo, The Final Frontier, que alcançou o número 1 em nada mais nada menos que 28 países, incluindo o Brasil.

Rod Smallwood estava certo, não é mesmo, Steve?

Collector's Room
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