Bruce Dickinson: "Não sou fã de religião, o mundo sem ela seria um lugar melhor"


Em recente entrevista para a revista Istoé, o vocalista Bruce Dickinson falou sobre seu novo álbum solo, Iron Maiden e deu declarações polêmicas sobre política e religião. Confira a entrevista na íntegra!
 

Nos anos 1980, o rock britânico passou por uma revolução marcada pela rebeldia. Hoje parece que o estilo perdeu a capacidade de indignação e virou algo quase corporativo, voltado para gente mais velha. O que acha disso?
A música é um reflexo da sociedade, um fenômeno social. Mas a verdade é que os artistas não têm muito controle sobre isso. Ninguém vira músico porque quer fazer sociologia, mas porque quer curtir um estilo de vida rock and roll. O que acontece é que muitas bandas se tornam instituições ao longo dos anos e isso as torna conservadoras, de alguma forma. Digo isso com respeito, ninguém espera que o AC/DC saia por aí tocando música folclórica e acompanhado por um naipe de metais. As pessoas ficariam chocadas, seriam contra. Seria o fim do grupo.

É o preço para ter uma carreira bem-sucedida?
Sim, porque quem alcança o sucesso fica mais rígido, porque as pessoas não gostam quando as coisas mudam demais. De certa forma, você se torna um fóssil. Não torço para nenhum time de futebol, mas conheço muita gente que torce. Se algo radical mexe com o time é como o fim do mundo. Gosto de mudanças na área da criatividade. Algumas bandas podem parecer conservadoras, mas não é culpa delas. Essa escolha, na verdade, é feita pelo público.

Seu novo álbum solo, The Mandrake Project, ganhou um complemento que vai além da música. Por que lançar uma história em quadrinhos, uma graphic novel?
Quero enfatizar que o álbum e a graphic novel são coisas independentes. Há uma relação, mas a história em quadrinhos é separada do disco. Já pensava em fazer isso anos atrás, porque acho que quadrinhos e rock pesado combinam muito bem. Ambos sabem fazer narrativas fantásticas e visuais. Teria sido melhor fazer filme? Claro que sim, mas eles não crescem em árvores, seria um investimento bem mais alto. Além disso, a HQ pode levar ao filme, porque já estamos a meio caminho de um storyboard, que é a base da produção audiovisual. Para finalizar, confio muito no trabalho dessa equipe, já trabalhamos juntos antes.

O novo álbum também apresenta um estilo distante do que os fãs estão acostumados. Qual é a diferença do processo criativo de compor para sua carreira solo, mais rock, e para o Iron Maiden, que é heavy metal?
Optei por fazer algo diferente. O Iron Maiden tem um som único e marcante, mas não é tão aberto. Há limites silenciosos, ou seja, sabemos quando uma determinada canção não é adequada para entrar em um disco da banda. Com minha carreira solo é mais livre, tento explorar maneiras e ideias fora do comum, inclusive na minha forma de cantar.

A carreira solo é uma forma de ter controle criativo total, enquanto no Iron Maiden há outros parceiros?
É como colocar uma foto em uma moldura diferente. A imagem está lá, mas passa uma percepção diferente. A música “Ressurection Men”, por exemplo, parece uma trilha de spaghetti western, uma coisa meio Tarantino. Outra canção tem como referência bandas mais novas, como o Queens of the Stone Age. Trabalhar assim é bom porque posso abordar cada música de uma maneira diferente. Por isso ele é tão variado e não soa como meus trabalhos anteriores.

Seu gosto musical mudou ao longo dos anos? Há novas influências que foram incorporadas ao que sempre fez?
Sim, com certeza. Quando lancei o álbum Skunkworks, em 1996, recebi mensagens de ódio e até ameaças de morte porque não era um disco típico de heavy metal. Como alguém pode chegar a esse ponto? Acho que a mente das pessoas naquela época era mais estreita, não sei por qual razão. Hoje acredito que as pessoas têm uma quantidade tão grande de músicas à disposição que não se preocupam mais tanto. Alguns ainda ouvem a mesma coisa todos os dias, mas há muita gente que aprecia conhecer estilos diferentes. Continuam curtindo suas bandas favoritas, mas não precisam ouvi-las 24 horas por dia, podem variar. Arte é algo que depende da circunstância, do humor. Música é paixão, não pode ser tratada apenas como um produto.

Costuma ouvir bandas novas e as últimas tendências?
Não muito. Os músicos da minha banda solo costumam me apresentar artistas novos, mas muitas vezes nem sei os nomes, presto apenas atenção no som e na energia. Se é algo que mexe com meu cérebro, então vale a pena conhecer.

Há um trecho de The Mandrake Project em que o protagonista usa uma substância alucinógena. Qual sua opinião sobre o consumo de drogas?
Não posso falar muito sobre a maioria das substâncias psicoativas porque nunca usei nenhuma. Eu tive que imaginar como seria uma viagem de ácido, porque nunca fiz isso. Nunca experimentei cogumelos, com exceção daqueles vendidos no supermercado. No início da carreira, toquei com gente que fumava maconha. Eu experimentei e compreendi que era possível ver um lado engraçado das coisas. Fora isso, era uma perda de tempo.

Acha que os jovens entram nessa por ignorância?
Minha opinião sobre drogas é que as pessoas vão experimentá-las. Tanto jovens quanto velhos podem entrar nessa, até morrerem de ataque cardíaco ou outra morte estúpida. Ao longo da história, as pessoas ouvem “experimente isso, vai fazer você se sentir incrível” e coisas assim. Somos seres humanos e vivemos em constante tentação. Nesse sentido, é melhor fazer isso quando se é jovem, porque seu corpo pode se recuperar e dizer “nunca mais”. Mas há reações químicas que acontecem no cérebro de alguns de nós, que não conseguimos controlar. Há gente que não consegue parar, pessoas que se tornam alcoólatras ou têm personalidades adictas. O ideal seria se viciar em coisas positivas. Mas quem fica viciado em substâncias químicas destrói a melhor parte da vida, que é viver. Viver no momento presente, não no passado, sem ficar chateado por algo que aconteceu há vinte anos, não desejando estar em outro lugar.

E em relação ao álcool? O Iron Maiden produz cervejas.
Gosto de aproveitar o momento. As drogas tiram tudo isso, o álcool também. Bebo um ou outro copo de cerveja para relaxar, mas sei exatamente o efeito que eles terão em mim. Sei que não devo dirigir, porque não vou prestar atenção e vou ficar com sono. Felizmente não sou uma daquelas pessoas que ficam paranoicas ou agressivas. Mas ainda assim é preciso estar consciente do que está fazendo consigo mesmo. Não fumo cigarros, nunca fumei. E tenho medo de agulhas, seria um fracasso total como viciado. Algumas drogas são mais prejudiciais que outras, mas o problema é que elas acabam tomando conta de suas vidas.

Além de ser vocalista de uma das maiores bandas de rock do mundo, você ainda tem uma carreira profissional como piloto de avião. Como entrou nessa história e como arranjou tempo para isso em meio a turnês e viagens?
Comecei a aprender a pilotar quando tinha uns 28 anos. Fiz uma aula durante umas férias na Flórida, nos EUA, antes de sair do Iron Maiden para me dedicar à carreira solo. Fiquei fascinado, era algo que eu sonhara desde criança. Comecei a visitar aeroportos e contratar pilotos para me darem dicas. Aí percebi que queria me qualificar de verdade. Estudava de manhã e ia para o estúdio à tarde. Aprendi a pilotar aeronaves maiores, mas sabia que, se quisesse pilotar Boeings, não poderia comprar um jato, como John Travolta. Então pensei em trabalhar como piloto comercial.

Você faz parecer que é uma coisa simples…
Estou resumindo, claro. No início dos anos 1990 obtive um certificado completo, profissional. Quando voltei para o Iron Maiden, ganhei um bom dinheiro e decidi comprar um avião pequeno. Usamos na turnê norte-americana e na Europa. Um dia compartilhei o simulador com um diretor de uma companhia aérea, Passou um tempo e ele me ligou, perguntando se eu gostaria de trabalhar para a British Airways como primeiro oficial de Boeing 757. Aceitei. Minha esposa, que estava ao lado, me perguntou: “Como você vai fazer isso se voltou a ser vocalista do Iron Maiden?”. Respondi que ia trabalhar na folga da banda e ninguém precisava saber. Anos depois, estava pilotando os Boeings na turnê do Iron Maiden.

Além de piloto e roqueiro, você é historiador. Qual é a sua opinião sobre a ascensão de líderes autoritários nos EUA, no Brasil e em diversas regiões do mundo?
A meu ver, não se pode culpar os líderes autoritários por explorarem a situação política. Não apoio a intolerância. Todos deveriam ter o direito de progredir, não importa a cor, o gênero ou qualquer outra característica. Deixem as pessoas viverem suas vidas, desde que ninguém esteja prejudicando os outros. Também não sou um fã da religião, acho que um mundo sem ela seria um lugar melhor porque as pessoas teriam que pensar racionalmente.

Acha que alguns políticos subestimam a vontade da população?
Sim. A ascensão de líderes autoritários ocorre onde há democracia, mas eles não estão obrigando ninguém a votar. As pessoas estão fazendo isso porque querem. Elas se sentem sub-representadas, acham que há uma elite que faz o que tem vontade e quer que os outros aceitem. Há certa verdade nisso, porque se você olhar para os dois lados da equação, vai ver que, embora o lado autoritário não seja muito atraente, muitas vezes o outro lado também não é. Há uma falha no sistema político.