Numa dessas tardes da minha adolescência



Por Eber Chaves

Numa dessas tardes da minha adolescência, infelizmente, não me lembro precisamente qual delas, mas posso dizer que foi uma dessas tardes que nos marcam para sempre, nela, sons estranhos, nunca antes revelados, transpassaram meus ouvidos como a flecha transpassa o coração do guerreiro desatento. Sons que aprisionados estavam pelo magnetismo de uma fita K7. Sons que ganharam vida ao apertar-se o play de um Walkman. E quando o aparelho portátil de reprodução de áudio começou girar aquela fita magnética, a minha mente entrou num estado de confusão. Aquilo parecia ser uma batalha, entre vozes, guitarras, baixo e bateria, todos pelejando por seu espaço, cada um deles querendo infligir suas notas e arranjos às músicas. E aqueles sons me anestesiaram, deixaram-me inerte, olhando para o vazio: naqueles momentos me recolhia da realidade, o mundo tornava-se um lugar de acordes, escalas e solos furiosos. Tanta adrenalina não podia conter-se no meu corpo magro: recorria aos solos imaginários de uma guitarra imaginária e balançava a cabeça. Isso trazia de volta um equilíbrio de forças, a harmonia entre corpo e alma, em meio a esse turbilhão de notas em furor. E nisso, o tempo se esvaecia, as horas tornavam-se minutos, e a manhã, a tarde e a noite eram a mesma coisa, e qualquer som de trovão me parecia riffs de guitarra. Espero algum dia poder retribuir ao amigo Leleco, por algo tão simples, por feito chegar às minhas mãos objeto tão insignificante, mas de conteúdo tão forte, delirante. Algo que duas décadas não conseguiram tirar o brilho deslumbrante; algo que nem mesmo a traça temporal conseguir consumir: a imagem, o poderoso heavy metal aprisionado naquela fita K7, na qual estava inscrito: Iron Maiden, Powerslave (1984).