Líder do Iron Maiden desde 1975, Steve Harris sai da majestosa sombra de uma das mais bem sucedidas bandas de Heavy Metal de todos os tempos e grava, aos 56 anos, um álbum em nome próprio. Harris conversou com
José Miguel Rodrigues da revista portuguesa
BLITZ e explicou que a ideia do projeto paralelo surgiu em Portugal. E garante, o Iron Maiden está vivo!
“Acaba por ser estranho para todo mundo!” Exclama o veterano britânico quando questionado em relação ao que sente por estar promovendo um primeiro registro em nome próprio, aos 56 anos de idade.
“Não só para mim, mas também para as pessoas com quem eu tenho falado. Até os jornalistas ficam um pouco desconfiados. No entanto, acaba por ser também uma sensação muito boa porque, de certa forma, é uma forma de me refrescar. De tempos em tempos, é bom podermos fazer alguma coisa diferente.” Essa "coisa" chama-se
British Lion e tem lançamento previsto para o fim de setembro.
Steve Harris precisou de três décadas inteiras para sentir essa necessidade e, reforçando a proximidade entre o músico e o público lusitano, foi em Portugal que a semente para esta ideia começou a germinar.
"Lembram-se de ver uma banda chamada British Lion ao vivo em Portugal, há uns anos atrás? Nessa altura, já estava trabalhando com eles - sobretudo como manager - e decidi marcar pra eles uma mini-turnê pelo sul do país. Já nem sei bem se chegaram a tocar em Lisboa, mas lembro-me perfeitamente que subi ao palco num clube no sul de Portugal para tocar umas músicas e adorei. Na altura ninguém sabia, mas já estava colaborando com eles em termos de composição e até o nome fui eu que inventei. Quando as coisas não funcionaram em termos de formação, achei que havia ali temas bons demais para ficarem esquecidos e decidi agarrar o projeto de uma vez por todas."
Depois de tantos anos entregue ao Iron Maiden, porquê agora? O baixista reage à pergunta com outra pergunta:
"Será que há mesmo um tempo certo para fazer o que for? Na verdade, não sei. Estou sempre tão ocupado com o Maiden, que parece que tempo nenhum seria o certo para me envolver numa coisa destas. Este disco teve de ser feito aos pedaços, aqui e ali, mas estou mesmo muito satisfeito com o resultado final."
British Lion é, logo de cara, um álbum diferente do que se poderia esperar do autor de temas como "Rime Of The Ancient Mariner", "Running Free" ou "Infinite Dreams". Não só no método, mas também na forma como foi posto em prática - e isso nota-se, no melhor dos sentidos. Adotando uma postura rock e não tipicamente metal, estes dez temas mostram o músico explorando uma paleta mais variada de tons e sons, que tanto podem ser melancólicos como taciturnos ou pesados, de uma forma que não é habitual nas suas composições.
Terá sido complicado para Harris tirar de uma vez a camisa do Iron Maiden?
"Acabou por não ser necessário e, sinceramente, é uma camisa que já não consigo tirar por mais que me esforce. As pessoas com quem estou trabalhando são diferentes, mas o processo continua a ser basicamente o mesmo. Quanto mais natural, melhor. Há vezes em que é muito espontâneo e outras em que temos de trabalhar um bocado para atingir o que pretendemos, mas isso pouco interessa quando o resultado final nos deixa satisfeitos. O que interessa é que as canções sejam boas; esse sempre foi o meu objetivo principal e é algo que nunca vai mudar. De que serve ter os melhores músicos do mundo ao nosso lado, se não estiverem tocando a música que queremos ouvir?"
A tal orientação mais rock é notória ao longo das 10 músicas de British Lion, mas percebe-se que não houve propriamente dita uma tentativa consciente de afastamento do som que estabeleceu com os discos clássicos do Iron Maiden.
"Nem sequer fiz esforços nesse sentido", diz o baixista entre risos. E também não valia a pena negar, porque é mesmo muito fácil traçar paralelos entre momentos de temas como
"Us Against The World" ou
"A World Without Heaven" e a sonoridade galopante que estabeleceu para a mais icônica das bandas de Heavy Metal. Só o fato de estar tocando com músicos diferentes teria sempre de trazer uma mudança na forma como as suas idéias seriam postas em prática, mas ouvem-se ritmos e melodias que poderiam estar num disco do Iron Maiden.
"É natural. Na essência sou o mesmo, foi apenas a perspectiva que mudou... as influências continuam as mesmas, nada mudou. Acontece que, com o Maiden, temos seguido uma linha cada vez mais progressiva, e este projeto faz uma abordagem um pouco mais mainstream, por assim dizer, ao Rock."
O músico comentou o que espera das reações do público para o disco:
"Acaba por ser mais entusiasmante. Este disco demorou muito tempo - muito mesmo (risos) - a ficar pronto, por isso é ótimo saber que tudo isso vai desencadear uma reação. Provavelmente, espero. Vai certamente haver quem adore e quem odeie, mas isso é normal. Até com o Iron Maiden é assim, por isso... o que importa é que tenho em mãos um disco do qual me orgulho muito e não me assusta nada que as pessoas o ouçam. Sempre achei que um músico devia fazer aquilo que realmente quer, as preocupações periféricas só devem vir depois."
Quando Harris assume que o álbum teve um parto demorado, não está exagerando.
"O método foi muito diferente daquilo que estou habituado. Com o Maiden, estabelecemos um plano antes de começarmos a trabalhar num álbum - no início já sabemos que vamos passar dois ou três meses compondo e gravando. Neste caso não podia fazer as coisas assim porque não tínhamos duas ou três semanas seguidas para trabalhar, teve de ser tudo por fases".
British Lion pode ter demorado "uma eternidade e um dia" para ficar pronto, mas isso não o faz soar como uma simples manta de retalhos. Segundo o seu principal compositor,
"Há temas com mais de uma década, sendo que os mais recentes ficaram prontos há cerca de dois anos. Foram adiamentos sucessivos e esteve muito perto de se tornar frustrante. No entanto, dei tudo o que podia para tornar este álbum realidade e sempre soube que ia conseguir. Era apenas uma questão de como e quando. Até tive de esperar pela mixagem... queria trabalhar com Kevin Shirley, mas ele é um cara ocupado.... ainda mais que eu, por isso tivemos que esperar o tempo que foi preciso por uma abertura na sua agenda. Às vezes é assim, temos de saber esperar para que as peças estejam todas no lugar. Acabou por ser um desfaio... O que, para mim, não é problema - sempre gostei de desafios."
Harris demonstra a mesma determinação que faz dele a força motriz de uma das bandas mais bem sucedidas do universo da música pesada.
"Estive envolvido em quase tudo e já me convenci de que é uma daquelas coisas que não consigo evitar (risos). A grande diferença é que, neste caso, todos os caras da banda estiveram muito envolvidos também. Quando eu penso num projeto paralelo, penso em trabalhar com pessoas diferentes e em tê-las tão envolvidas quanto possível no que vamos fazer. Sinto-me muito mais confortável a trabalhar num ambiente de banda do que sozinho. Se fosse um um guitarrista, talvez fosse diferente, mas não - sou um baixista e sinto-me bem trabalhando com outros músicos. Mesmo com o Maiden, depois de todos esses anos, ainda é muito estranho ter fotógrafos tirando fotos minhas sozinho... É bizarro não ter outros membros da banda à minha volta."
O baixista traça uma perspectiva de futuro para o projeto:
"Quero deixar algo bem claro - isto não é apenas um disco solo de Steve Harris... É muito mais que isso. Eventualmente gostaria que se transformasse numa banda a sério e quero pensar que não vamos ficar por aqui. Adoraria tocar estas músicas ao vivo. Para mim seria um enorme prazer; há muito, muito tempo que não toco em clubes menores e, de vez em quando, tenho saudades. Às vezes sinto falta da atmosfera que se gera se estivermos na cara das pessoas... Com o Iron Maiden, isso é algo que não podemos fazer há muitos anos."
Harris encerra a entrevista falando um pouco sobre a relação de British Lion e os boatos de um possível fim do Iron Maiden surgidos após o álbum The Final Frontier:
"Este disco não reflete nada mais que a minha vontade de fazer algo diferente. Às vezes é saudável trabalhar com outras pessoas, com as quais também tenho uma boa química. O Iron Maiden vai continuar a trabalhar, como sempre... Neste momento temos uma turnê agendada para 2013 e, depois, vamos começar a trabalhar num novo álbum". Enquanto o cavalheiro trabalha a "donzela" descansa.
Blitz (Portugal) - Setembro / 2012
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Agradecimentos: Pedro Brandão