Consumidor pode ser ressarcido em dobro por cobrança de taxa indevida em ingressos
Por Emanuel Alencar
No ano em que o Brasil recebe grandes atrações do cenário internacional da música, os consumidores se veem de mãos atadas diante de uma incômoda companhia que surgiu sem alarde e acabou incorporada à rotina da compra de ingressos: a taxa de conveniência. Em pesquisa feita em sites de empresas de comercialização de ingressos, O Globo levantou que essas tarifas extras variam de 4% a 20% do valor do bilhete, dependendo da casa de shows e do artista.
Além da falta de critério, a cobrança da taxa de conveniência muitas vezes não vem acompanhada de qualquer benefício ao consumidor, que precisa retirar seu ingresso no local do evento. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) é contundente: a cobrança é indevida, e quem se sentir prejudicado pode pedir reparação na Justiça - o ressarcimento pode vir em dobro.
O jornalista Ricardo Diniz não chegou a tomar medida extrema, mas precisou de muita paciência para comprar um ingresso para o show de Amy Winehouse, no Rio. Na primeira tentativa, uma semana antes do evento, uma mensagem no site informava que não havia ingressos para a pista comum. Desistiu. Alguns dias depois, voltou à página para tentar novamente. Dessa vez, o site mostrou que havia os ingressos. Ricardo comprou uma entrada, mas não pôde optar por receber o bilhete em casa. Mesmo tendo que retirá-lo na bilheteria do HSBC Arena, enfrentando fila, pagou taxa de conveniência de 17% do valor do bilhete.
- Por algum motivo, eles não efetuavam a entrega em Copacabana. A opção que me restava era retirar o ingresso na bilheteria oficial. Foi cobrada então uma taxa de conveniência. Mesmo eu tendo que chegar ao local do show com antecedência para enfrentar fila e, somente assim, conseguir entrar no show. O que, na minha opinião, torna a tal taxa um mistério - critica Ricardo, lembrando que o mesmo percentual era cobrados em outros pontos de venda. - Uma amiga comprou o ingresso na Modern Sound pelo mesmo valor que eu, mas teve a conveniência de só chegar ao HSBC Arena, em Jacarepaguá, na hora do show e não enfrentar fila alguma.A falta de critério na cobrança da taxa de conveniência fica evidente na pesquisa feita pela internet. A taxa cobrada para o show da banda de heavy metal britânica Iron Maiden, que ocorrerá em São Paulo dia 26 de março, sai a 20% do valor do bilhete. Já para o show da mesma banda em Brasília, quatro dias depois, o consumidor paga 15%. A Livepass não respondeu ao questionamento do Globo sobre as variações.
Esse custo não pode ser transferido a terceiros. Se eu vou a um restaurante, não pago uma taxa pelo aluguel do imóvel. É do custo do negócio. O problema é que muitas empresas dificultam a compra em bilheterias oficiais, sem a cobrança da taxa (Rodrigo Terra)
Já a Ingresso.com cobra taxa de serviço de 12% do preço do ingresso para o show de Diogo Nogueira, nesta sexta-feira no Circo Voador - a retirada do ingresso é na própria bilheteria - e de 15% para a apresentação de Ed Motta, no Teatro Rival, em fevereiro. A empresa informou, por e-mail, que a taxa de conveniência cobrada é, em média, de 15% do valor do ingresso para shows e outros eventos e que a diferença se deve "à negociação que é feita com cada casa de shows, dependendo do repasse do valor do ingresso negociado em cada caso".
Código de Defesa do Consumidor prevê restituição em dobro
A advogada do Idec Mariana Alves argumenta que não há qualquer conveniência em comprar um ingresso pela internet, meio cada vez mais utilizado para essa finalidade. Ela aconselha ao consumidor imprimir todos os passos da compra do bilhete on-line, para facilitar uma possível ação judicial.
- As empresas alegam que a taxa é cobrada pelo simples fato de o consumidor comprar pela internet. Mas a compra pela web é conveniente também para a empresa. O entendimento do Idec é que se trata de uma taxa indevida. Não pagamos taxa de conveniência quando compramos um eletrodoméstico pela internet, por exemplo. Por que temos de pagar em caso de shows? - afirma Mariana, acrescentando que o consumidor deve solicitar todos os comprovantes para evidar dor de cabeça. - É importante imprimir as páginas da internet, passo a passo, e pedir nota fiscal à empresa. Caso se sinta lesado, o consumidor deve questionar na Justiça e, dependendo do caso, pedir reparação por danos morais. Se ficar comprovado que a empresa não cumpriu o acordado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê restituição em dobro.A advogada refere-se ao artigo 42 do CDC, que diz que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
Titular da 2ª Promotoria de Defesa do Consumidor do Rio, o promotor Rodrigo Terra informa que há processos em curso contra empresas que comercializam os ingressos. Para ele, a cobrança da taxa é questionável, pois as empresas repassam aos clientes um ônus que deveria ser delas:
- Esse custo não pode ser transferido a terceiros. Se eu vou a um restaurante, não pago uma taxa pelo aluguel do imóvel. É do custo do negócio. O problema é que muitas empresas dificultam a compra em bilheterias oficiais, sem a cobrança da taxa.Meia entrada não pode ser desculpa
Rodrigo Terra também destaca a importância de o cliente documentar todos os passos da aquisição do ingresso pela internet. O promotor lembra que o consumidor tem o direito de ter o dinheiro devolvido caso a empresa não cumpra com o prazo de entrega do bilhete.
- Se houver tempo hábil, é importante o cliente entrar em contato com a empresa, por escrito, comunicando que não tem mais interesse em contratar o serviço porque a empresa não cumpriu a obrigação e pedir o estorno. Há canais de reclamação como o Procon e a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa. Se, no fim das contas, o consumidor não resolver o problema, pode entrar com ação nos juizados especiais cíveis, pedindo indenização.Questionado se as cobranças extras não seriam uma forma de as empresas compensarem as falsas carteirinhas de estudante - que garantem meia entrada para a maioria dos espectadores -, o promotor lembrou que as empresas têm alguns meios de checar a validade dos documentos apresentados: "As empresas podem exigir comprovante de matrícula para quem apresentar carteirinha sem foto. É um instrumento para evitar falsificações."
Fonte: O Globo