Bruce Dickinson: "Speed Of Light se encaixaria perfeitamente no Piece Of Mind"



Bruce Dickinson concedeu uma entrevista para o jornal O Globo, onde falou sobre o novo álbum do Iron Maiden, tratamento contra o câncer e a nova realidade do mercado fonográfico. Confira!

Por: Silvio Essinger / O Globo

RIO - E se o heavy metal nunca tivesse existido, o que seria da sua vida? Bruce Dickinson, de 56 anos, dá uma gaguejada, e responde: definitivamente, ou teria me tornado ator... ou um bêbado. É com o seu habitual humor inglês (e falando pelos cotovelos) que o vocalista do Iron Maiden, um dos gigantes do metal mundial, conversa, por telefone, de Paris, sobre “The Book of Souls”, 16º álbum de estúdio da banda (e 12º com sua participação), que tem lançamento programado para o próximo dia 4. Para um artista que lida como poucos com os temas da vida e da morte, o disco tem um sentido todo especial: em fevereiro, Bruce veio a público dizer que estava se tratando um câncer, diagnosticado em exames de rotina, pouco antes do Natal. Em maio, as boas notícias: ele estava curado, depois de ter passado por uma quimioterapia “com o acompanhamento de um bocado de radioterapia”.

— Foram nove, dez semanas de um tratamento bem agressivo para os dois tumores que eu tinha. Um na língua, que era o principal, e outro no gânglio linfático, perto da língua, que foi a única razão que me levou ao médico. É um tipo de câncer absurdamente comum hoje em dia em caras com mais de 40 anos de idade, causado pelo mesmo vírus do câncer no colo do útero, nas mulheres — conta o cantor. — O lado positivo é que, como ele era relacionado a um vírus, minhas chances de sobrevivência eram melhores que as de quem tem um câncer de garganta por outras razões. Quando vieram os resultados, os médicos disseram que as minhas chances de recuperação eram de 70% a 80%, e até mais, já que eu não fumava. Dou graças a Deus por nunca ter fumado!

Agora, pelo menos uma vez por mês Bruce tem ido ao médico para fazer um check-up. E, enquanto isso, vai tocando a vida.

— Deixa eu ver... na última terça-feira (três semanas atrás) eu viajei ao México para dois dias de fotos, fui dar uma palestra em Guadalajara e cheguei em casa na sexta à tarde. E agora (na segunda) aqui estou eu, em Paris! Tive que desacelerar um pouco, não muito. Antes, eu costumava fazer muitas coisas estúpidas. Hoje em dia, eu vou, faço as coisas, volto e tiro um dia de folga — explica ele, que no entanto não pretende se apresentar com o Iron Maiden este ano. — Ainda tenho que esperar uns dois ou três meses até que poder começar a cantar. O resto de mim está sarando bem, mas os tecidos delicados da garganta demoram um pouco mais a se recuperar. A cada dia que passa desde a radioterapia eu me sinto melhor, voltando à normalidade. Meu médico me disse: “Sua laringe está bem, ela não foi afetada pelo câncer; quanto ao resto, é só relaxar, tudo vai voltar ao normal”.

Gravado em Paris, ao longo de 2014 (com toques finais dados no início deste ano), com o produtor Kevin Shirley, “The Book Of Souls” é o primeiro álbum duplo da história do Iron Maiden, com um total de 92 minutos de música.

— No começo, a gente não achava que ia ser um disco duplo. Mas quando acabamos de gravar as primeiras seis faixas, tivemos essa certeza. A gente poderia fazer um álbum simples e deixar um monte de músicas de fora, mas elas eram tão fortes que nos decidimos por um duplo — revela Bruce, compositor da épica “Empire Of The Clouds”, que, com seus 18 minutos de duração, fecha o álbum como a mais longa faixa da história do Iron Maiden. — Comecei com algumas peças instrumentais ao piano, e aí me veio o título. Com esse mapa na mente, comecei a trabalhar. Ia para o estúdio todos os dias, e eles tinham um fantástico piano de cauda lá. Eu sou um péssimo pianista, mas quando você tem um instrumento desses nas mãos, qualquer um soa brilhante!

Para Bruce, “The Book Of Souls” pode ser tomado como um resumo de tudo aquilo que o Iron Maiden fez em seus 40 anos de carreira.

— Acredito que uma música como “Speed Of Light” (primeiro single do álbum, que será lançado na sexta-feira) poderia se encaixar perfeitamente no “Piece Of Mind” (álbum de 1983 da banda). Temos um ótimo rock clássico em estilo Maiden, faixas ambiciosas e viajantes, tipo progressivo... Ele vai para todo lado, é um grande disco — discorre o cantor, para quem não se pode, porém, dizer que esse seja um “álbum conceitual”. — Todas as canções foram compostas de forma independente. Quando Steve (Harris, baixista e fundador do Iron Maiden) compôs “The Book of Souls”, vimos que seria uma boa canção-título para o álbum. E aí eu tinha umas demos de um álbum solo, nas quais eu estava trabalhando, e comecei a achar que a canção de abertura, “If Eternity Should Fail”, deveria estar no álbum do Maiden. A frase de abertura dela era “here's the soul of a man” (“aqui está a alma de um homem”). Parecia até coisa planejada!



O vocalista do Iron Maiden não compra a ideia corrente de que o formato álbum (e ainda mais os duplos) esteja com os dias contados nessa era de distribuição digital da música.

— Acho que muitos dos garotos não ligam mais para os álbuns porque há muitos artistas que não ligam para álbuns. Junto com as gravadoras, eles hoje só pensam no download de duas ou três faixas no iTunes ou na porcaria da qual vão fazer streaming no Spotify... O que quer que seja, eles pensam pequeno — fuzila. — Eu não acredito que a atenção do público mais jovem seja mais curta, porque conheço garotos que passam noites inteiras jogando (o videogame) “Call of duty”. Não me digam que os garotos têm atenção curta. Eles estão bem, eles sabem no que vale a pena prestar atenção. Isso é o que se chama fazer uma escolha. Eles dizem: “Ei, esse disco é uma merda qualquer, vou escutá-lo por cinco minutos e depois vou fazer alguma outra coisa”. Mas quando você tem algo que o faça dizer “Uau, isso é realmente maneiro!”, ele vai sentar e ouvir porque vale a pena. E não me diga que as pessoas não fazem isso. Elas fazem com videogames, não há razão para que não possam fazer com a música.

Em uma palestra no ano passado, na Campus Party, em São Paulo, Bruce expôs de forma sucinta sua filosofia com o Iron Maiden: “Você precisa de fãs, não de consumidores”.

— Você não consome, por exemplo, a sua mulher ou o seu time de futebol, eles são partes suas, você tem uma relação com eles. Aí está a diferença. O que você tem que fazer com seus álbuns, você faz por intermédio da imprensa, dos shows... Você mantém a relação com os fãs, e eles continuam fãs. As gravadoras se tornam parte disso se elas quiserem — opina. — Acho que as gravadoras estão num lugar estranho hoje, elas não abraçaram a ideia de que são responsáveis por cuidar dessa relação com o público. Elas se preocupam muito com a imprensa, mas não com os fãs. Assim, quando o download apareceu, eles agiram como se o público fosse o inimigo. Os garotos baixavam as músicas porque gostavam muito delas, não achavam que estavam roubando algo do artista. O trabalho das gravadoras era ter a visão de que os garotos poderiam obter delas próprias a música. Só que não fizeram, e por isso elas não existem mais. Nós, os artistas, ainda existimos, e temos a relação com o público. A relação entre o Maiden e os fãs é o que importa.

Fonte: O Globo