Janick Gers: "Devemos começar a turnê em janeiro ou fevereiro"



O guitarrista Janick Gers concedeu uma entrevista para a Glide Magazine, onde falou sobre a próxima turnê e o novo álbum do Iron Maiden. Confira a entrevista na íntegra.

Por: Neil Ferguson
GlideMagazine.Com


Este tem sido um ano interessante para uma das maiores bandas de heavy metal do mundo. Os membros do Iron Maiden haviam acabado de gravar seu 16º álbum de estúdio, em Paris, no final de 2014, quando o vocalista Bruce Dickinson sentiu que algo não estava bem. Uma visita ao médico confirmou que Dickinson possuía um tumor cancerígeno em sua língua e teria que passar por um tratamento médico extensivo. Seria uma notícia chocante para qualquer um, mas para o vocalista da lendária banda era realmente assustadora. Felizmente, o tumor foi encontrado a tempo de ser tratado, mas a notícia foi alarmante o suficiente para causar, até mesmo aos membros da banda, preocupação e receio de que isso poderia ser o fim do Iron Maiden. Fãs se perguntaram como tal destino poderia acometer um artista que tinha acabado de terminar uma maciça turnê mundial, soando melhor do que nunca e que, com 56 anos, ainda corre o equivalente a várias milhas durante um único show e é capaz de envergonhar vocalistas décadas mais jovem que ele. Mesmo com o álbum terminado, a banda preferiu colocar o lançamento e uma turnê mundial em espera até que Dickinson fosse dado como livre do câncer.

É como um culto, os fãs do Iron Maiden veem a banda como uma divindade sagrada do metal, da qual só se pode falar com total respeito e admiração. Por esta razão, houve pouca pressão por conta do atraso, pois os fãs e a banda preferiram igualmente ver o vocalista recuperado e no auge de sua forma. Agora que Dickinson está em fase final de recuperação, o álbum "The Book of Souls" está com lançamento marcado para 04 de setembro. É o primeiro álbum de inéditas, desde 2010, quando a banda lançou o elogiado "The Final Frontier". Como uma das poucas pessoas que tiveram a sorte de ouvir "The Book of Souls", posso dizer, honestamente, que valerá a pena a espera. Não só é o mais longo álbum do Maiden até hoje, chegando a 92 minutos em 11 faixas, mas é, sem dúvida, uma das mais épicas viagens de uma banda que, mesmo com mais de três décadas sob o seu cinto, ainda continua a inovar no seu som. "The Book of Souls" mostra cada membro da banda colocando uma quantidade igual de energia criativa. É também o primeiro álbum do Maiden, desde Powerslave (1984), a trazer duas faixas exclusivamente escritas por Bruce Dickinson, uma das quais vem em pouco mais de 18 minutos, tornando-se a canção mais longa que a banda já gravou. Na verdade, só há uma canção ("Tears of a Clown"), que tem menos de 5 minutos. Animado ainda?

Agora, a banda também, sabiamente, decidiu não mostrar qualquer música do álbum antes de seu lançamento, um movimento que está em contraste direto com a cultura de hoje, de streams antecipados, teasers de álbuns e outros tipos de campanhas publicitárias gratuitas. Por isso conversamos com um dos guitarristas da banda, o sempre eloquente Janick Gers, para nos dizer tudo sobre o que acontece no mundo do Iron Maiden e o que podemos esperar da banda no ano que vem.

GM: Como foi a experiência de gravar o álbum, considerando as circunstâncias de Bruce?

Janick Gers: "Na verdade, ninguém sabia que Bruce estava doente quando fizemos o álbum. Gravamos juntos, entre setembro e início de dezembro, e Bruce estava cantando de maneira fantástica. Na verdade, ele estava hospedado comigo, estávamos no mesmo hotel - o resto da banda estava em lugares diferentes - por isso, saímos e tomamos umas bebidas e conversamos sobre como as coisas estavam indo. Ficamos muito felizes com o álbum e sua voz estava soando ótima, auto e borbulhante, como habitual - estava animado com o álbum e nós estávamos nos divertindo."

"Só mais tarde, quando ele voltou da Inglaterra, ele disse que estava com um abscesso, que ele já tinha antes e teve um par de dentes retirados, e ele (o abscesso) voltou. Foi só então que ele me disse: "Eu estou de novo com esse abscesso". Ele não podia beber, porque ele estava usando antibióticos. Eu não tinha qualquer pista, ninguém tinha qualquer pista e, depois, recebi uma mensagem de Andy Taylor, um dos nossos empresários, que me disse o que aconteceu. Eu estava em choque, porque Bruce estava cantando incrivelmente bem. Obviamente, tivemos que esquecer tudo para este ano. Tínhamos uma turnê reservada e nós tivemos que esquecer tudo isso. Bruce foi muito positivo, diagnosticou o câncer muito cedo, e o médico lhe disse que seria curável. Foi em sua língua, nem de longe em suas cordas vocais, e ele está livre disso agora. Eu o vi a algumas semanas atrás e ele estava com uma boa aparência. Ele ainda estava um pouco mais magro por causa da quimioterapia;  ele ainda não pode correr 10km, mas ele parece bem, ele está falando bem. Eu não sei como sua voz está,  porque teve a radioterapia em sua garganta, então, obviamente, está bastante inchada. Mas quando gravamos o álbum, não tínhamos ideia disso e só se tornou aparente depois que terminamos tudo. Por isso, o disco não foi afetado de nenhuma forma, a única coisa que mudou foi que não estaremos em turnê esse ano."

GM: Uma coisa que chama atenção, é que este é o primeiro álbum de estúdio duplo da banda e há algumas canções realmente longas nele, mas músicas longas não são exatamente uma novidade no repertório do Maiden. Por que você acha que demorou tanto tempo para fazer um álbum duplo? Quase parece estranho que tenha demorado tanto.

Janick Gers: "Estamos vivendo um tempo em que a atenção das pessoas é muito limitada, elas têm a capacidade de concentração de um mosquito. Este é um álbum triplo na realidade - é um álbum de vinil triplo e um CD duplo. Nós apenas fazemos o que queremos fazer e sempre fizemos isso - sempre nadamos contra a maré. Não é que nos propusemos a fazer um álbum duplo, trouxemos muitas ideias para o estúdio e todas elas eram boas. Algumas das músicas não eram muito longas quando foram apresentadas, mas acabaram com muito tempo quando nós a terminamos. Todos da banda sempre trazem provavelmente uma hora de música. Você pode usar apenas 15 minutos disso, mas você tem uma hora de material que realmente é bom. É um indicativo de como todos na banda são criativos. Esta banda vem acontecendo, há muito tempo, e nunca temos que raspar ao redor, pois há sempre tantas ideias para usar - melodias, músicas, temas. Ele acabou com 11 músicas em 92 minutos, que é bastante longo para um único álbum. Eu acho que é bom; nós apenas entramos e experimentamos coisas diferentes, e nós nunca nos restringimos em termos de melodias e músicas. Este álbum apenas dita onde estamos agora, em 2015. Nós não somos uma banda que anda para trás, nós sempre olhamos para frente e estamos sempre tentando desenvolver novas ideias, novas estratégias, novos riffs de canções, e tendo canções para diferentes vias. E eu acho que este álbum prova que ainda estamos ativos; as músicas são poderosas e nervosas. Há todo tipo de canção diferente neste álbum e há algo para quase todo mundo – influenciada classicamente, influenciada pelo jazz,  influenciada pelo rock e influenciada pelo blues - está tudo lá e é apenas um indicativo sobre a banda."

GM: Já houve um momento em que você e a banda pensaram que "The Final Frontier" seria o último álbum do Iron Maiden?

Janick Gers: "Na verdade, cada álbum que fazemos eu acho que poderia ser o último. Com "The Final Frontier" fizemos uma longa turnê. Eu não acho que fizemos sucesso na América com ele, mas nós fizemos em qualquer outro lugar no mundo, de modo que você está olhando para uma turnê de seis ou sete meses e ninguém sabe o que vai acontecer. Você pode cair fora, algumas pessoas na banda poderiam não estar nela nunca mais, então você sempre pensa que esta pode ser a última turnê. Nós somos uma banda que tem ficado junta por um longo tempo, e só de olhar para o que aconteceu com Bruce, que me chocou internamente, fiquei arrasado. Isso foi um grande choque para todos, então você nunca sabe quando será a última turnê. Eu odeio essas bandas que falam "esta é a nossa última turnê", e voltam um ano mais tarde com um novo álbum e uma turnê. Nós vamos contando que estamos curtindo e quem sabe quando será última turnê? Você acabou de fazer o melhor álbum que você pode naquele momento em sua carreira. É por isso que eu nunca saio e digo que este é o melhor álbum que já fizemos. Você ouve um monte de bandas dizerem isso, mas você nunca deve dizer. Você diz que este é o melhor álbum neste momento, o melhor que poderíamos fazer e estou muito orgulhoso dele.

GM: Parece que as bandas dizem isso e, em seguida, suas palavras começam a assombrá-los depois.

Janick Gers: Você simplesmente não pode dizer isso. Estou orgulhoso de cada álbum que já fizemos e cada álbum foi uma afirmação do ponto que estávamos naquele momento do tempo. Isso é tudo o que você pode fazer. Como uma banda você pode viajar pelo mundo, ver um monte de coisas, pegar tudo musicalmente e sonoramente, e então quando você vai escrever um álbum, tudo isso vem derramando para fora de você na música. Isso é onde você está no momento e se você está orgulhoso dele no final, então isso é realmente o melhor que você pode fazer.

GM:  São muitas coisas loucas acontecendo no mundo, muitas coisas sombrias, de alguma forma isso se reflete na composição das músicas? Como juntam os eventos atuais e o estado das coisas nas músicas?

Janick Gers: "Eu acho que tudo o que você vê e faz sai no que você escreve. Eu acho que é primordial que seus sentimentos estejam nas canções. Vivemos em uma época onde tudo tem que estar na Internet o tempo todo. Você tem as notícias 24 horas, atualizadas a cada cinco minutos. Queira ou não, o mundo é tão perigoso como a mídia gosta de retratá-lo. É sempre assim, então, você tende a obter este bombardeio constante de atenção da mídia em todo o mundo porque estamos on-line o tempo todo. Isso tem que ter um efeito. Tudo que você vê, toca e sente tem um efeito sobre a sua composição. Tentamos olhar para tudo de forma positiva, e eu acho que nossa música transcende as barreiras da cultura e pode chegar a qualquer pessoa que queira ouvir Iron Maiden ou queira vir e nos ver tocar. É fantástico, e temos atravessado uma série de barreiras, é universal."

GM: Eu sempre quis perguntar isso, desde que falávamos sobre composição. Steve Harris geralmente faz a maior parte das letras. Como é trabalhar em canções com ele, quando ele parece ser o mentor intelectual?

Janick Gers: "Eu realmente não vejo isso. Nós trazemos músicas e você pode trazer um riff em que Steve está de fora, mas quer escrever algumas palavras para esse riff. Ou ele pode vir com uma ideia. Não há restrições para a nossa forma de escrever. Se Adrian traz uma canção, Bruce pode escrever com ele ou com Steve. Eu acho que é tudo bastante aberto. Você pode trazer uma hora e meia de música e só usar 15 minutos, mas isso é ótimo porque você está trazendo lotes e lotes de ideias para ele. Com "The Book of Souls" eu trouxe músicas e Steve teve algumas grandes ideias vocais temáticas, e nós ficamos juntos, reorganizando. Ele também tinha alguns refrões, que queria colocar aqui e ali, e poderia trazer algumas melodias diferentes e querer colocar sobre esses refrões. Eu, certamente, não sinto uma natureza opressiva de Steve. Ele é muito positivo e traz grandes ideias para tudo."

GM: Há uma introdução acústica em "The Book Of Souls", que você escreveu com Steve Harris. De quem foi a ideia?

Janick Gers: "Eu trouxe essa ideia e pedi que o Steve adicionasse a letra e acrescentasse ideias de melodia dentro da música também. Você pode trazer um riff, ele pode definir outra coisa para o Bruce e pode trazer um novo som para ele. Não há limites e isso fica muito interessante, não fica chato. Você pode trazer um coro que o Steve goste e coloque em uma canção. É muito livre e fácil o que fazemos. Eu poderia escrever 10 ou 12 canções e poderíamos usar uma ou duas delas. Para este álbum em particular trabalhamos assim, todos nós trouxemos material extra. Em uma canção como “The Red and the Black” Steve definiu o que ele queria para o baixo, sabia exatamente as melodias que queria tocar. Mas, em seguida, Bruce trouxe “Empire of the Clouds”, com um arranjo lindo e nós apenas embelezamos algumas partes. Bruce e Adrian poderiam trazer músicas sólidas e nós apenas acharmos elas exatas, então, não há uma forma de composição em conjunto, trazemos uma variedade de ideias e trabalhamos com elas."

GM: Uma coisa que eu notei é que vocês não lançaram um single ainda, que é bastante ousado no atual panorama da mídia de singles e streaming. Existe um raciocínio consciente por trás disso dentro da banda?

Janick Gers: "Bem, não queríamos soltar nada agora, enquanto Bruce estava se recuperando. O álbum teria sido lançado no início do ano, mas nós adiamos tudo, inclusive a turnê, porque queríamos que Bruce ficasse melhor. Para mim, isso é mais importante do que qualquer coisa, por isso, seguramos o lançamento. Ele está liberado agora e a ideia é esperar até setembro. Eu gosto da ideia de ter o álbum apenas quando for lançado. É o que acontecerá agora? Eu não sei, mas não é bom esperar por algo e obter tudo de uma vez? Essa coisa toda de Internet estragou um pouco isso, pois é bom esperar por algo e obter tudo de uma vez, ao invés de "bips e bops" de cada vez."

GM: A banda vai fazer uma turnê mundial em suporte ao álbum. Você pode falar sobre quando isso vai acontecer e o que os fãs podem esperar tanto quanto um set list e a performance no palco?

Janick Gers: "É muito cedo para dizer, mas queremos fazer uma turnê e nós estamos pensando em começar no próximo ano, provavelmente no final de janeiro ou início de fevereiro. Esperemos que Bruce esteja de volta ao seu estado normal, ele já está realmente bem e com uma voz excelente. É apenas uma questão de estar bem fisicamente. Então, vamos sentar, lançar o álbum, e espero fazer uma turnê mundial no próximo ano que será baseada em torno do álbum."



GM: Em comparação com álbuns anteriores do Maiden, o trabalho de capa para “The Book of Souls” é austero e simples. Como surgiu a ideia?

Janick Gers: "Bem, o título do álbum "The Book of Souls" é baseado nos Maias. Essa foi a ideia que Steve teve para a tour e a capa do CD. Tivemos a ideia e indicamos Mark Wilkinson, que já trabalhou com a gente antes, para fazer a arte da capa. É impressionante como ela se conecta com "The Book of Souls" e à ideia mística dos Maias e Astecas. Ela também se comunica com outras faixas do álbum. Era isso."

GM: Ela definitivamente se destaca em comparação com todos os álbuns do Maiden, que são preenchidos com cor e um monte de coisas acontecendo selvagemente e aqui você tem apenas uma figura.

Janick Gers: "Sim, talvez ele seja um Maia."

GM: A última coisa que eu quero saber é, para você, pessoalmente, se você pudesse tocar um álbum do Maiden em sua totalidade ao vivo, qual seria?

Janick Gers: "Wow. Há tantas músicas no catálogo! Nós fizemos a tour do "A Matter of Life and Death" em sua totalidade, e todos disseram que seria suicídio comercial. Foi fantástico. Eu realmente gostei e realmente me senti muito gratificado, mas eu acho que há tantas músicas em nossa carreira que, para fazer isso, estaríamos deixando tantas grandes canções de fora. Eu acho que é bom misturar e combinar em oposição a tocar um álbum completo. Temos uma carreira de décadas, por isso é bom pegar fragmentos. Nas duas últimas turnês, não tocamos "Hallowed Be Thy Name", e dois anos antes, não tocamos "The Trooper" [N.T. na verdade aconteceu uma única vez em Belfast]. Essas são músicas que as pessoas realmente querem ouvir. O que tentamos fazer é colocar seis ou sete músicas novas e apimentá-lo com músicas antigas, assim todo mundo pode desfrutar do show. Você sempre quer tocar o material novo, pois é o que está vivendo agora. Eu não sou alguém que olha para trás. Há um monte de bandas por aí que são uma paródia do que eles costumavam ser, eles tentam e reeditam o passado, e eu não acho que você possa fazer isso. Você tem que olhar para o futuro. É muito importante, quando você tem um novo álbum, tocar as coisas novas. Dessa forma, você não se torna uma paródia, você se torna aquilo que está vivendo naquele momento. Estamos em 2015 e eu acho que nós somos uma banda realmente ativa. Este álbum é muito válido; ele é poderoso, é emocionante, é temático, ele tem tudo o que você poderia desejar de um álbum do Iron Maiden."